Ele era um homem fisicamente frágil,
franzino até.Ele era um homem bom.Ele era
um homem humilde e simples.Parecia desculpar-se
por ser também um homem santo, ele sabia
sempre perdoar os nossos pecados, confessáveis
ou não.Parecia excusar-se por ser justo,
ele, incapaz de magoar, ferir ou odiar quem quer
que fosse, rico ou pobre, letrado ou ignorante,
poderoso ou fraco.
Ele tinha a humildade dos homens verdadeiramente
sábios, que o são, não pela
quantidade do sentir e do agir.Quando sorria,
por exemplo, era sempre com uma certa vergonha,
talvez por estar bem consciente de haver demasiado
sofrimento desnecessário no mundo...Quando
nos repreendia, a nós os internos sob sua
responsabilidade moral e até jurídica,
era sempre com um certo pesar, talvez por conhecer
tão bem a nossa fraqueza ante as tentações
do mal ou por ter certeza da nossa próxima,
quase sempre inevitável, reincidência...
Assim era Monsenhor Guilherme de Oliveira, que
foi, embora muitos de nós só nos
fôssemos dar conta disso vários anos
mais tarde, o mais fundamental de todos os nossos
excelentes professores daquele tempo.Um mestre
que, sem giz nem quadro negro, sem chamadas nem
sabatinas ou exames, nos ensinava a matéria
principal do Colégio " a preparação
para a vida " com lições
todas elas feitas de silêncio e mansidão,
modéstia e fé, confiança
e autenticidade, paciência e compreensão.Franzino,
ele era um Hércules, pequeno, ele era um
gigante, frágil, ele era uma rocha em tudo
aquilo que permite ao ser humano transceder a
sua animalidade e tangenciar o eterno.
Era noite quando me disseram que Monsenhor Guilherme
de Oliveira havia morrido alguns dias antes em
Leopoldina.Com lágrimas nos olhos, da janela
do meu escritório residencial, em Ipanema,
contemplei o céu noturno, particularmente
estrelado naquela noite, contrastando com o amplo
negrume do mar.Parecia buscar um espaço
maior do que o daquelas quatro paredes em que
me encontrava, pequeno demais para uma dor que
me chumbava o peito.Nisso notei que, distante,
uma certa estrela cintilava mais do que as outras.Lembrei-me
então de ter lido em algum lugar que as
pessoas realmente grandes em humanidade não
morrem antes, ficam encantadas - pois são
como as estrelas, que vivem entre nós,
disfarçadas de gente e logo voltam à
sua forma original, para nos continuar guiando
e inspirando de um alto-longe muito mais presente
e perto do que antes...Célere, uma idéia
lampejou-me na mente: estaria Monsenhor Guilherme,
tentando já assim tão cedo, o seu
primeiro milagre ? É que naquele instante,
confesso desejei muito acreditar de novo em Deus...
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